Mais
uma vez Belém celebra o Círio de Nazaré com dignidade e galhardia, como
corresponde às mais arraigadas e legítimas tradições do povo paraense.
Percorremos rodovias e avenidas, ruas e praças, ao som dos fogos de artifício,
aclamações vibrantes, cantos, sorrisos, lágrimas e gritos de louvor. A multidão
era incontável em todas as partes, mais ainda no domingo do Círio. Temos ainda
outros passos a percorrer os próximos dias, até concluirmos a quadra nazarena.
A cada dia, a Basílica repleta de fiéis, Bispos do Brasil inteiro que pregam a
Palavra de Deus, cantos e orações. Em toda a quinzena, o “departamento de
colheita”, como vejo a celebração do Sacramento da Penitência. Ali, na graça do
confessionário os resultados espirituais do Círio se manifestam. De fato, Nossa
Senhora conduz o povo à terra da reconciliação e ao abraço amoroso do Pai, onde
todos têm valor! Alternamos sons e silêncio, procissões e louvores, penitência
e ação de graças. É oportuno perguntar se tudo o que vivemos é prece autêntica
que sobe ao Céu.
Veio-me
à mente a experiência vivida pelo rei Davi, assim descrita no segundo livro de
Samuel: “Davi, cingido apenas com um manto sacerdotal de linho, dançava com
todas as suas forças diante do Senhor. Davi e toda a casa de Israel conduziam a
arca do Senhor, soltando gritos de júbilo e tocando trombetas. Quando a arca do
Senhor entrou na cidade de Davi, Micol, filha de Saul, estava olhando pela
janela. Vendo o rei Davi dançar e pular diante do Senhor, desprezou-o em seu
coração. Introduziram a arca do Senhor e depuseram-na em seu lugar, no meio da
tenda que Davi tinha armado para ela. Em seguida, Davi ofereceu holocaustos e
sacrifícios de comunhão na presença do Senhor. Assim que terminou de oferecer
os holocaustos e os sacrifícios de comunhão, Davi abençoou o povo em nome do
Senhor dos exércitos. E distribuiu a todo o povo, a toda a multidão de Israel,
aos homens como às mulheres, um pão de forno, um bolo de tâmaras e uma torta de
uvas. Depois, todo o povo foi para casa. Quando Davi voltou para saudar a
família, Micol, filha de Saul, foi-lhe ao encontro e disse: ‘Que bela figura
fez hoje o rei de Israel, desnudando-se aos olhares das escravas dos seus
servidores, como o faria um bufão qualquer!’ Mas Davi respondeu: ‘É diante do
Senhor que eu danço! Bendito seja o Senhor, que me escolheu de preferência a
teu pai e a toda a tua família, para tornar-me o príncipe do seu povo Israel. Diante
do Senhor, eu vou pulando. Serei humilhado ainda mais, ficarei rebaixado a meus
próprios olhos, mas da parte das escravas de que falas ganharei estima’. (2 Sm
6, 12-22).
Toda
a nossa vida deve tornar-se louvor de Deus, pois tudo que o Senhor fez se destina
à sua glória. A natureza, com suas cores, sons e movimento já louva o Senhor
pelo fato de as coisas existirem. Os homens e mulheres receberam de presente a
liberdade, com a qual podem decidir-se ou não pelo relacionamento com aquele
que é a fonte de tudo o que existe.
Uma
vida que é gerada, destinada à eternidade e à comunhão com Deus, tem seu valor
inestimável, devendo ser respeitada até o ocaso natural, o que leva os cristãos
a rejeitarem o desrespeito a ela que se manifesta na onda de abortos e todas as
outras formas de assassinato. Causa indignação a violência reinante e o
menosprezo à vida dos pequenos e pobres, inclusive a ocorrência de assaltos e
ameaças nos dias que correm em nossas cidades.
Optar pela vida e pelo louvor de Deus nos levou a viver, no domingo do Círio, a experiência da partilha e da solidariedade. Parecíamos ver um mundo diferente, quem sabe uma verdadeira lição para aprendermos a ser mais irmãos. Cantavam a Deus os rostos suados, os olhares, sorrisos e lágrimas que tive a graça de aspergir. Sim, oramos com barulho ou com o silêncio, desfiamos as contas do Rosário, não nos envergonhamos de percorrer nossas ruas como o rei Davi. Trazíamos a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, aquela que a Igreja chama “Arca da Aliança”, por ter trazido ao mundo aquele que é o pastor do novo Israel de Deus, representado pelo cajado de Aarão, Jesus, Pão da Vida prefigurado no Maná das andanças do povo no deserto, aquele que é em si mesmo a Nova Lei, antes preparado pelas tábuas da Antiga Aliança. Sim, tudo foi louvor a Deus. Dançamos e cantamos diante do Senhor, acompanhados pela jovem Virgem de Nazaré.
Dom
Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém
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